O fim da hediondez do tráfico de drogas e a atuação do
Advogado Criminalista

Até 2007 a equiparação do delito do crime tráfico aos crimes hediondos decorria da redação que a Lei n. 11.464/2007 atribuiu à Lei dos Crimes Hediondos, mais especificamente ao parágrafo segundo do art. 2º, com a seguinte redação: § 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Recorde-se que o art. 2º da Lei n. 8.072/90, ao qual o parágrafo segundo remetia o intérprete, versava sobre os delitos insuscetíveis de anistia, graça e indulto, dentre os quais figurava o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Dispunha o referido artigo: Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto.

Em 2013 a Lei n. 13.769/18 alterou a redação do referido parágrafo do art. 2º, que passou a vigorar com a seguinte redação: § 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). A inovação legislativa em questão limitava-se a definir critérios para a progressão de regime da população carcerária feminina gestante ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiências, mantendo inalterada a equiparação.

Entretanto, o art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/90, único dispositivo legal existente no ordenamento jurídico que equiparava o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins aos crimes hediondos, foi expressamente revogado pelo art. 19 da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime). [1]

Do exame atento da Lei de Crimes Hediondos, da Lei de Drogas da Lei de Execução Penal não se infere previsão qualquer previsão sobre a hediondez do delito de tráfico de drogas, limitando-se o ordenamento jurídico a considerá-lo crime insuscetível de anistia, graça e indulto, situação que permanece vigente por previsão expressa na Constituição Federal e que não conduz à hediondez do delito, limitando, apenas, a prerrogativa do Presidente da República de determinar os critérios ao reconhecimento do direito de anistia, graça e indulto.

É equivocado, portanto, sustentar a hediondez do delito de tráfico de drogas na vedação à concessão de anistia, graça e indulto que decorre do art. 5º, XLIII da Constituição – e, por simetria, do caput do art. 2º da Lei 8.072/90 -, porque a existência de caráter hediondo do delito reclamaria expressa previsão legal.

Ademais, há um aspecto histórico que merece ser resgatado, a fim de se afastar, definitivamente, a equivocada correlação entre vedação ao indulto e hediondez delitiva. Antes de promulgada a redação do art. 5º, VLIII da CF/88, a vedação ao indulto tinha lugar art. 16, parágrafo único do Projeto Afonso Arinos e se inseria no contexto da abertura política, referindo-se, exclusivamente, ao crime de tortura. Só após os debates realizados na Subcomissão dos Direitos Políticos e Garantias Individuais da Assembleia Nacional Constituinte é que houve a ampliação do rol de crimes que não seriam passíveis de graça, anistia e indulto, nele incluindo-se o terrorismo, o tráfico ilícito de entorpecentes e os crimes hediondos. Sobre estes últimos a Assembleia Nacional Constituinte considerou, à época, que “careciam de definição e impõem, ao legislador ordinário, em matéria penal, que defina os contornos e a natureza dos crimes hediondos”, especialmente por considerarem que “crime hediondo induz juízo de valor sobre a conduta”. [2] Logo, inequívoco que a equiparação também não pode ser extraída da Constituição de 1988.

Ainda, deve ser afastado o entendimento que defende a permanência da hediondez do crime de tráfico de drogas em razão do caráter “notadamente repressivo do Pacote Anticrime”, clara manifestação da mentalidade inquisitória que ainda campeia no Brasil. Argumento frágil, a considerar, por exemplo, que a reafirmação do sistema acusatório constou, justamente, do famigerado Pacote Anticrime. Ademais, é sempre bom lembrar que em matéria penal a elaboração de normas incriminadoras ou o agravamento de condutas delitivas depende, necessariamente, de lei, dado que a Constituição, ao proteger direitos e garantias fundamentais, determinou, em seu art. 5º, inciso XXXIX que “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Em linhas de conclusão, a despeito de o art. 112, § 5º da Lei de Execução Penal dispor, expressamente, que “não se considera hediondo ou equiparado, para fins deste artigo (progressão de regime), o crime de tráfico privilegiado”, fato é que o Pacote Anticrime afastou a hediondez do delito de tráfico de drogas previsto no art. 33, caput da Lei n. 11.343/06, sendo inserida no ordenamento jurídico como lei penal mais benéfica e, portanto, aplicando-se, para fins de progressão de regime, aos fatos ocorridos anteriormente à sua publicação e, ainda, produzindo efeitos para o futuro.

Como o reconhecimento do fim da hediondez do delito de tráfico de drogas não é automático, a questão deverá ser levada, caso a caso, ao Poder Judiciário. Para isso, imprescindível o assessoramento por um Advogado Criminalista.

[1] Art. 19. Fica revogado o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

 [2] Diário da Assembleia Nacional Constituinte (Suplemento B). Comissão de Redação, p. 20.