Verdadeiro marco na separação entre público e privado no Brasil, ao definir uma série de condutas vedadas a agentes públicos e também às empresas (e seus funcionários) que têm relação com a administração pública, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) completa cinco anos hoje.
Nesta entrevista, o advogado criminalista Gilles Gomes, especialista em direito penal econômico, avalia os avanços e desafios trazidos pela legislação.
Nesses cinco anos, já é possível fazer uma avaliação?
O aspecto mais positivo é internalização de uma cultura que não era nossa, que é a de boas práticas na relação entre a iniciativa privada e a pública. Temos uma herança do patrimonialismo, em que a separação nunca foi muito clara. A Lei anticorrupção veio por pressão de organismos internacionais, como OCDE e ONU, acordos firmados na década de 90.
Mas muda-se uma cultura com lei?
Não muda, mas é uma lei que partiu do Estado como uma política pública, no sentido de ser um marco. O segundo aspecto, também importante, é uma declaração que vem do Estado brasileiro de que não dá conta de apurar e punir desvios e ele privatiza a luta contra a corrupção.
Como ocorre isso?
Transferindo à iniciativa privada condutas antes genéricas, como crimes contra a administração pública. Vemos com mais força nos vários acordos de leniência da Lava Jato, programas de leniência do CAD, a Controladoria Geral da União atuando de forma mais incisiva, até porque ela é o ente responsável pela lei por processar procedimentos administrativos em relação a empresas que cometem esses desvios. Mas os resultados virão mais a médio e longo prazos, por ser uma cultura que vem sendo consolidada, uma nova forma de agir. Essa privatização do combate à corrupção tem um pouco de metáfora.
Como controlar isso?
Chamando mais parceiros e organismos que impõem regras de compliance. Se não o fizerem, poderão ser cometidas infrações, muitas vezes sem saber que a conduta é vedada, por falta de conhecimento.
Como funciona esse conceito de compliance?
Ele não vem expresso na lei, mas decorre de um sistema normativo composto por outras leis, como lei antilavagem (de dinheiro. Indica várias práticas que as pessoas têm de adotar em relação à administração pública. Num mundo globalizado, em que a imagem da empresa é essencial, um patrimônio, e os sócios estão sujeitos a oscilações e arranhões na imagem, a ideia de adotar medidas proativas de cumprimento da lei é o que define o compliance, que é basicamente obedecer. Dentro de seu nicho, seu espaço de operação, a empresa terá encontro de vários normativos, balizas, e deve observá-los.
Pode ser um ganho, então?
Programas de compliance frequentemente são criados na via de cooperação estatal e privada e compõem outra terminologia, governança corporativa. Em última análise, a observância normativa pela iniciativa privada é uma commodity, um fator de resultado.
O que a lei veda?
São coisas óbvias, como prometer, fornecer, dar vantagens indevidas ao funcionário público. Até porque artigo 37 da Constituição prevê os princípios administrativos e um deles é a moralidade, há relação sistêmica. Financiar a prática de atos ilícitos é vedado, assim como a utilização interposta a pessoa, seja física (laranja) ou jurídica (fachada) para contratar com o poder público. Lei é severa sobre isso. Até porque o Estado é o maior contratante brasileiro. A lei tipifica condutas que antes ficavam no limbo, sem saber ao certo se seria direito penal ou administrativo.
Quais são os principais desafios para avançar?
Criada e instituída a cultura de probidade na relação entre público e privado, teremos dado um grande passo, mas, para isso, é imprescindível que empresas colaborem na perspectiva de compliance, para servirem de modelo à administração pública. Atuar para ser modelo é interessante para ela e para a sociedade. É importante que a empresa queira ser lembrada por aquilo que representa.